segunda-feira, março 17, 2014

Porque as mulheres morrem por serem mulheres

Efeito colateral da contemporaneidade, a síndrome do "cheio de opinião" alastra-se pelas redes sociais e outras plataformas. Mesmo distante do rigor científico, as observações empíricas lançadas podem ser positivas em diversos aspectos. Hoje, elas servem como via alternativa aos meios de comunicação tradicional, contribuem para a mobilização popular e ajudam-nos a entender melhor a sociedade, inclusive, em seus aspectos negativos. Não é diferente com os blogs, primeiras plataformas de opinião popularizadas pela internet.

No outro polo, o "lado ruim da coisa", a síndrome do "sabe-tudo" pode nos induzir a conclusões rasas e a nos levar a engrossamos a massa de manobra de interesses diversos. Em ano eleitoral isso é ainda mais evidente (basta ficarmos atentos para montagens diversas circulantes no Facebook).

Quem escreve e se expõe publicamente está fadado a ser julgado pelas mais diversas visões de mundo. E, em um ambiente virtual com conteúdo infindável, sinto-me honrada pela atenção dispensada por alguns leitores, mesmo quando há eventuais críticas. Os embates são parte da democracia. Apenas egocêntricos e ditadores não os toleram.



Ironia mostra o preceito do feminismo. Radical é quem não entende.

Na semana passada, defendi em um trecho do texto sobre o assassinato da estudante que Martina Piazza (no dia 2 de fevereiro) fora morta por ser mulher. Infelizmente neste caso, não há argumento capaz de me convencer do contrário. E não se trata de crença ou militância rasa. Com base de formação no campo da Academia, não sou do tipo que constrói axiomas sem embasamento prévio, embora eu, como você, possamos errar em nossas conclusões. Por isso, o esforço para que elas sejam pautadas por minuciosa pesquisa, e não por paixões ou pela "militância" de estar certo, como se estivéssemos participando de um duelo intectualoide.

Embora no Código Penal brasileiro ainda não haja qualificação para o crime de feminicídio, forma de violência contra o gênero resultante na morte da mulher, o assunto é tema de um projeto de lei, de autoria da senadora Ana Rita (PT-ES) em trâmite no Senado. Caso aprovado, será mais uma tipificação para os homicídios no Brasil.

Para ser considerado feminicídio, é preciso haver três circunstâncias, isoladas ou contínuas. São elas: a relação íntima, de afeto ou parentesco, entre vítima e o agressor; a hipótese de violência sexual, antes ou depois da morte; a mutilação ou desfiguração da vítima, também antes ou depois da morte, associado ao emprego de tortura ou qualquer meio degradante.

Para esclarecer: não se trata de misoginia (ódio ao sexo feminino), mas de uma tipificação para crimes contra mulheres e que são cometidos em virtude do gênero.

Se marcar um encontro, convidar o agressor a adentrar um apartamento consigo - numa evidente relação de confiança - e ser morta em um estrangulamento de tamanha brutalidade que levou à quebra do pescoço da vítima, se isso tudo não se encaixar em nenhum dos itens, aí posso reconsiderar meu "axioma" que Martina foi morta por ser mulher.

Até lá, mantenho minha opinião, ainda que possa ser considerada uma a mais nesse oceano de "achismos". Qualificar como feminicídio crimes como este é uma forma de não colocá-los na vala comum dos homicídios, dispor de dados estatísticos mais contudentes sobre a violência contra a mulher e não esconder essa sujeira embaixo dos nossos tapetes.

Ainda que este seja um Trabalho de Sísifo, continuarei empurrando essa pedra morro acima, na esperança de um mundo melhor para nós, mulheres, anônimas ou não.




(Para entender melhor, recomendo a leitura de "Femicídios" e asmortes de mulheres no Brasil, de Wânia Pasinato, "Feminicídio:quando mulheres são mortas por serem mulheres", de MônicaRibeiro e Ribeiro, ambos disponíveis no Google. O Projeto de Lei 292/2013 pode ser acessado neste link http://www.senado.gov.br/atividade/materia/getPDF.asp?t=133307&tp=1 e o Mapa da Violência contra a mulher, neste caminho: http://www.mapadaviolencia.org.br/mapa2012_mulheres.php)

5 comentários:

Fabiana Nogueira Chaves disse...

Arrasou no post. é bem isso aí mesmo... é impossível que alguém pense que o mesmo que aconteceu com Martina poderia acontecer com um homem, da mesma forma. Estamos juntas Stelinha, na busca de um mundo melhor para nós mulheres!!!

Anônimo disse...

"Para ser considerado feminicídio, é preciso haver três circunstâncias, isoladas ou contínuas. São elas: a relação íntima, de afeto ou parentesco, entre vítima e o agressor; a hipótese de violência sexual, antes ou depois da morte; a mutilação ou desfiguração da vítima, também antes ou depois da morte, associado ao emprego de tortura ou qualquer meio degradante."
De acordo com informações da própria imprensa de Foz do Iguaçu: "Houve um excesso de violência. A jovem foi encontrada com um fio de energia enrolado no pescoço, que estava quebrado. Isso indica muita força usada. NÃO HÁ, NO ENTANTO, INDÍCIOS DE VIOLÊNCIA SEXUAL. Jeferson está sendo acusado por homicídio qualificado e pode pegar 30 anos. [...] Conforme relatos de amigos, ELES TERIAM SE CONHECIDO EM UMA FESTA HORAS ANTES DO ATO." (http://www.clickfozdoiguacu.com.br/foz-iguacu-noticias/caso-da-estudante-martina-esta-praticamente-encerrado).
Tomando como norte a definição e os requisitos para a caracterização do feminicídio, fornecidos pela autora do texto, posso concluir que o caso não se trata, definitivamente, desse tipo de crime.
Não havia relação íntima, de afeto ou parentesco, entre vítima e agressor, uma vez que eles tinham se conhecido em uma festa horas antes do ato.
Não houve violência sexual, antes ou depois da morte. Todas as matérias veiculadas pela imprensa dão conta disso.
Não houve mutilação ou desfiguração da vítima, antes ou depois da morte, associado ao emprego de tortura ou qualquer meio degradante. Ao que tudo indica, a vítima sofreu asfixia mecânica por estrangulamento e/ou enforcamento. Tortura é diferente de excesso de força física. Na tortura, o meio de execução é empregado de forma lenta, gradativa, até produzir o resultado morte após grave sofrimento. Grosso modo, a tortura pela simples tortura enquadra-se no homicídio qualificado; a tortura com alguma finalidade enquadra-se em legislação especial. Por exemplo: prender a vítima e não lhe fornecer bebida ou comida para que morra de sede ou de fome; acorrentar a vítima ao ar livre para que tenha forte insolação; lentas sessões de mutilações ou de aplicações de ferro em brasa; amarrar a vítima sobre um formigueiro de espécie agressiva; crucificação; empalamento; etc.
É um homicídio qualificado, como qualquer outro. Todo mundo deve lamentar por mais uma vida que se vai, mas, trata-se disso, e apenas disso.
Respeito sua opinião, mas não concordo. E sei que você há de respeitar a minha também, mesmo discordando dela.

Fabiana Nogueira Chaves disse...

Repetindo: É impossível que alguém pense que o mesmo que aconteceu com Martina poderia acontecer com um homem, da mesma forma. Estamos juntas Stelinha, na busca de um mundo melhor para nós mulheres!!! Avante ...

Anônimo disse...

Já ouviu dizer que toda generalização tende a ser falsa, Fabiana? Toda "afirmação absoluta" também. Mas, eu compreendo. Do alto dos seus 28 aninhos, a propensão é fazer assertivas do tipo que você faz. A idade vai lhe mostrar o quão perigoso isso é.

Stela Guimarães disse...

Quem não é dado a generalizações não deveria colocar todos os jovens de 28 anos no mesmo balaio. Fica, no mínimo, incoerente.

Respeito toda diversidade de opinião, mas acho que não podemos perder o foco. E respeito quem vai para o embate sem usar máscaras. Afinal, expor-se aqui não coloca em risco a integridade física de ninguém.

Pra mim, esse papo já tá qualquer coisa. Quer discutir, identifique-se. Do contrário, parece-me covardia.