sexta-feira, janeiro 17, 2014

Eu, rolezeira e preconceituosa



Li vários artigos, favoráveis e contrários aos “rolezinhos” nos shoppings, assunto que como tantos outros nasce meio desgastado nas redes sociais. Nesta leva, há textos muito contundentes como o da antropóloga Rosana Pinheiro Machado, que não caiu de paraquedas no assunto porque é uma estudiosa do tema (funk, periferia) há muito tempo .

Aliás, essa é uma das mazelas da democracia nas redes sociais: a análise pela análise, a crítica superficial. De repente, todo mundo entende de tudo e tem opinião sobre os assuntos. E, nessa leva, muitas vezes os especialistas são rechaçados e classificados como marxistas ou esquerdistas. Foio que ocorreu com o texto da antropóloga, criticado pela Veja.*


Não sou especialista em consumo – embora tenha sido orientada no Mestrado por um estudioso do tema, Waldenyr Caldas, professor da ECA-USP e autor de livros como Temas da Cultura de Massa, Música, Futebol e Consumo”. Talvez gente como esses acadêmicos possam explicar melhor este fato social – que não é inédito e não nasceu politizado como crítica social, mas tem muito a dizer sobre a nossa sociedade do consumo.



Apropriar-se dos ícones do consumo não é coisa nova. Mas, de fato, a ascensão da classe C, o aumento do poder aquisitivo do brasileiro mais pobre nos últimos anos e as redes sociais tornaram este fenômeno mais visível. Ostentar bens de consumo sempre foi, na sociedade capitalista, uma forma de manter o status quo e de pertencer a um determinado grupo. E os adolescentes nos shoppings de São Paulo não são diferentes dos jovens da escola do meu filho, que levam seus smartphones de última geração para a sala de aula. Tampouco é novidade a crítica a apropriação dos bens das classes "superiores" pelas "inferiores".

Lembra-se da gritaria dos donos de IPhone quando o Instagram foi liberado para outras plataformas? Temia-se, em alguns estratos (os donos de IPhone), uma Orkutização – neologismo este que também surgiu associado à invasão dos jovens pobres ao Orkut. Enquanto deveríamos comemorar a inclusão digital, não?



Eu admito: é difícil manter-se distante do preconceito. Em várias ocasiões me deparei com minhas próprias atitudes preconceituosas. Eu já atravessei a rua ao ver um negro de boné vindo na minha direção à noite. Família, sociedade e a mída me ensinaram isso e a menter-me longe "do perigo". Porque é assim que o jovem negro é visto ainda: como uma ameça, um possível usurpador do seu direito de andar livremente entre os causasianos ou de lhe tirar a vida. É verdade que os presídios brasileiros têm mais negros a brancos. Embora a população negra no Brasil seja da ordem de quase 50%¨. Há uma razão histórica e social para isso, inclusive, que passa pela exclusão da comunidade negra.

Sim, eu já fui preconceituosa. Já chamei de piriguete mulher de roupa curta. Eu já usei o termo "favelada" em tom pejorativo a me referir a terceiros sobre uma garota negra e fã de funk, moradora da periferia de São Paulo, apenas por ciúmes do meu namorado. Envergonho-me dessas atitudes que muitos ainda trazem no cotidiano, embora estampem outra retórica.

Sei também que essas coisas são difíceis de serem rompidas e por isso mesmo devemos perseguir por esse rompimento. Meu avô, filho de mulata, rechaçava negros e fazia piada sobre eles. Ele era uma boa pessoa, mas reproduzia sem dó o discurso que a sociedade apregoava e do qual ele mesmo era vítima.

Assim, cresci achando que meu “cabelo era ruim” por ser cacheado (eu ainda o mantenho liso). Cresci achando que usuário de droga ("maconheiros da esquina do bairro", como dizia minha avó) deveriam ser presos e pertenciam a uma casta inferior.

Eu, que nasci pobre, desmerecia a pobreza e suas manifestações culturais e a violência que advém de toda a estrutura. E sei, por isso mesmo, que cabe a nós um esforço para romper esses padrões aprendidos na criação familiar.



Nunca fui expulsa de uma loja, mas muitas vezes – mesmo – fui maltratada por vendedores ou vendedoras. Não sou estereótipo de moça rica. Não tenho traços finos, não ostento marcas em bolsas (mas uso Melissa no pé, artigo que, segundo a Folha de São Paulo, é usado pelas “minas” dos rolezinhos). E, admtido, já comprei sem perguntar o preço (e sem precisar de fato do que comprava) apenas porque fiquei sem graça pela possibilidade de pensarem que talvez eu não pudesse adquirir o produto.

Quando adolescente gostava de ir ao shopping, mas tinha vergonha de parar defronte algumas lojas. Não era me dado o direito de ver algumas vitrines. Olhares desconfiados e perguntas feitas por vendedores até no lado de fora da loja me afugentavam deste universo. Isso porque nos meus rolês dos anos de 1990 eu usava o meu tênis New Balance. E lojas que me expulsavam eram de marcas das quais se adquiria um produto mesmo com um salário razoável (não era o Iguatemi da JK). Fui vítima desse preconceito de classe e por isso não consigo deixar de ver a reação como tal.
Hoje, com uma condição econômica bem melhor, sinto-me à vontade em transitar em qualquer shopping – embora não tenha (vontade e) dinheiro para adquirir certos bens de consumo.  Conta ao meu favor o fato de ser branca (amarelada). Sim, porque estamos diante de um caso de preconceito racial também. 

O meu preconceito já teve cor. E ela era negra. Disso me recordo com pesar, assim como não me esqueço daqueles olhares dirigidos a mim quando eu estava em frente às vitrines no passado. Talvez tenham sido esses olhares – mais do que qualquer literatura sobre o tema – os verdadeiros responsáveis pela minha empatia aos rolezeiros de hoje.

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* [Coisas das ciências humanas. Se estivéssemos diante da queda de um prédio, poucos discordariam dos laudos dos engenheiros sobre o tema. Ou, ao menos, dariam mais credibilidade ao assunto.]

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