domingo, agosto 26, 2012

Porque estamos muito, muito perdidos


Estamos muito perdidos porque experimentamos a antagonia da sociabilidade e da misantropia.  Sentimo-nos obrigados a sermos felizes o tempo todo e, ao mesmo tempo,  confortáveis em dissipar aos quatro cantos nossa impaciência com a humanidade. Mau humor virou imagem  para ser compartilhada. Alegria, Prozac. Não aceitamos estágios de infelicidade como parte da vida. Afogados em medicamentos, reclamamos nas redes sociais. Recorremos à internet para reencontrar pessoas que não nos fazem a menor falta. Encontramos aquelas que de quem sentimos a ausência todos os dias. Ansiamos pelo amor, mas discorremos discursos embuídos de cores afeita à sociopatia. Bom, só "os iguais". Perdemos a sinceridade e, quando a encontramos, duvidamos dela. Preferimos prever o pior porque é difícil acreditar no que é bom. Ser honesto demais causa até certa culpabilidade. Trocamos amigos por amores efêmeros. Cosméticos corrigem as falhas do corpo enquanto varremos para debaixo do tapete nossas incoerências. E eu, que penso ser otimista e colorida, só consigo pensar nesse texto muito azedo e monocromático. Estamos mesmo muito perdidos.

quarta-feira, agosto 15, 2012

“You make my day”

E aí ela estava acostumada a viver assim, como se em todos os dias não soprasse nada além de uma brisa suave, incapaz de alterar os contornos de seu fluido vestido ou daquele fio de cabelo que insiste em cair sobre seu olho esquerdo.

A brisa permanecia a mesma e era assim desde que ela deixara alguém em um banco de praça, simplesmente porque não havia nada mais que furacões intransponíveis para eles. Depois daquela noite, todos os dias foram iguais, tomados por uma temperatura estável e por um céu de um azul desbotado e constante.

Embora ela respirasse melhor, era como se colorido contrastante dos dias tivesse desaparecido. Estava enxergando um colorido em 8 bits, nada além. Toda a ilusão romântica, que nela já era escassa há muito, havia se transformado em uma confortável sensação estática de viver. Nenhuma intempérie ou tempestade se abatera novamente sobre seu corpo.
A paz que ela sentia, no entanto, parecia pouco natural para alguém tão naturalmente colorido, como assim a costumavam descrever. Ela havia se esquecido como era enxergar uma com variação superior a 16 milhões de cores. Ou dos efeitos de um trovão ameaçando suas janelas. 

 
E foi assim, diante de uma calmaria sufocante, que ela percebeu a falta que lhe faziam as chuvas. Sim, ela se lembrava vagamente de sentir os pingos d’água atingindo seu rosto e  da sensação do frio cortante entrando por entre suas luvas em um já saudoso inverno. Naquele momento, ela desejou ver raios, ouvir trovões. Ela queria colher tempestade.

Naquele mesmo dia, pôde ver um acúmulo denso de nuvens se acumulando no horizonte. Cúmulus nimbos que subiam a mais de 20 mil pés avisavam que era chegada a hora de transformar a brisa em vento, o azul em luz. A tempestade escura estava muito, muito longe mas ela sabia que poderia alcançá-la. Naquele momento, teve medo, mas sabia simultâneamente que não era uma mulher presa aos dias de brisa. Sentia que a ordem só poderia vir após caos de uma tormenta.

Correu em direção à chuva e, embora tivesse tipo tempo de se vestir e calçar sapatos, sabia que não precisaria deles para encontrar o vento. Quando a água despejou sobre ela e os raios transformaram momentaneamente o escuro do céu em um halo tão brilhante quanto Sirius, ela não sabia qual seria o seu destino, mas estava disposta a tocar o infinito. A chuva havia arrumado os seus dias. E foi assim que ela sorriu de novo.