domingo, maio 28, 2006

O Triunfo da Ignorância

As relações privadas entre os homens formam-se, parece, segundo o modelo do bottleneck industrial. Até na mais reduzida comunidade, o nível obedece ao do mais subalterno dos seus membros. Assim, quem na conversação fala de coisas fora do alcance de um só que seja comete uma falta de tato. O diálogo limita-se, por motivos de humanidade, ao mais chão, ao mais monótono e banal, quando na presença de um só 'inumano'. Desde que o mundo emudeceu o homem, tem razão o incapaz de argumentar. Não necessita mais do que ser pertinaz no seu interesse e na sua condição para prevalecer. Basta que o outro, num vão esforço para estabelecer contato, adopte um tom argumentativo ou panfletário para se transformar na parte mais débil.


Visto que o bottleneck não conhece nenhuma instância que vá além do factual, quando o pensamento e o discurso remetem forçosamente para semelhante instância, a inteligência torna-se ingenuidade, e isso até os imbecis entendem. A conjura pelo positivo atua como uma força gravitória, que tudo atrai para baixo. Mostra-se superior ao movimento que se lhe opõe, quando com ele já não entra em debate. O diferenciado que não quer passar inadvertido persiste numa atitude estrita de consideração para com todos os desconsiderados.
Estes já não precisam de sentir nenhuma intranquilidade da consciência. A debilidade espiritual, confirmada como princípio universal, surge como força de vida. O expediente formalisto-administrativo, a separação em compartimentos de tudo quanto pelo seu sentido é inseparável, a insistência fanática na opinião pessoal na ausência de qualquer fundamento, a prática, em suma, de reificar todo o traço da frustrada formação do eu, de se subtrair ao processo da experiência e de afirmar o 'sou assim' como algo definitivo, é suficiente para conquistar posições inexpugnáveis. Pode estar-se seguro do acordo dos outros, igualmente deformados, como da vantagem própria. Na cínica reivindicação do defeito pessoal pulsa a suspeita de que o espírito objetivo, no estádio atual, liquida o subjectivo. Estão down to earth, como os antepassados zoológicos, antes de se alçarem sobre as patas traseiras.

Theodore Adorno, in 'Minima Moralia'

sexta-feira, maio 26, 2006

It´s Friday, I´m in Love




Levanto. Bocejo. Lembro ter sonhado com o show dos Los Hermanos. Um que nunca começava e então, conversávamos com o Amarante. Rio. Rá, Rá, Rá. Ligo o computador. Escrevo seislinhas bobas. Faço uma sobremesa. Ouço The Cure. Tomografia do filhote. Volto pra casa. Saio. Jantar com as amadas amigas Lú e Ester. Mato saudades. Tomo vinho. Rio. It´s Friday. I´m in Love.




Imagens: The Cure, Official Site


Vida

Só a poesia possui as coisas vivas. O resto é necropsia.

Mário Quintana

quinta-feira, maio 25, 2006

O desbravador e o arco-íris



Desligou o computador. Deitou-se em sua cama mal cheirosa e barulhenta. Havia sido de um hospital fechado há quase meio século. O aço grosso e de formas arredondadas nem branco era mais. Amarelado, como minhas pupilas em dias como este.

As paredes vertiam a umidade que dava o tom ora esverdeado ora acinzentado às paredes. Até os fungos mudavam naquele ambiente conforme os batimentos do seu coração. Explico: estranhamente, após noites em que aquelas quatro paredes abrigaram dois corpos ardentes, dele e da mulher amada, as paredes amanheciam verdes. Seria para tonalizar a esperança de dias melhores?

Nos dias seguintes, as malditas paredes ficavam cinzentas novamente. Como se quisessem lembrá-lo da falta de cores nos dias de metrópole. Da vida sem sentido que levava desde a partida da mulher amada.

Não suportava mais tamanha dor. Levantou-se e colocou a roupa. Aparentemente a de sempre. Calça e blusas pretas, como sua alma. Casaco jeans.
Acendeu o cigarro. Abriu o vinho guardado sobre o criado mudo, iluminado pela lâmpada amarela que descida por um fio grosso (tantas vezes batera a cabeça ali e espalhara a poeira para o restante dos móveis), responsável pela sombra pendular na parede.

Saiu disposto a mudar sua vida sob a garoa fina do amanhecer naquela metrópole. Ao caminhar pela rua, viu um arco-íris além do horizonte de prédios. Pensou. “É um sinal. As cores desembarcarão no meu destino”.

E de repente, viu-se verde. Leve.

Imagem: Henry Ford Hospital o La cama volando 1932 oleo en metal (30.5 x 38 cm), Frida Khalo

terça-feira, maio 16, 2006

Achamos nossos Bin Ladens



Assunto de 10 em cada 10 rodas de conversa em São Paulo e de 9 em cada 10 blogs, a violência no Estado de São Paulo afetou a todos nós.

Não dava pra deixar de falar sobre isso aqui. Moro em Jacareí, a 80 quilômetros de São Paulo. A distância não diminuiu o pânico. Pela tarde -e isso é fato, não boato-pessoas corriam desesperadas pelo centro da cidade ao mesmo tempo em que o comércio e as agências bancárias fechavam suas portas.

Dos 174 carros da frota da única empresa de transporte de ônibus, quatro foram queimados seguindo o mesmo rito da Capital. A ordem era para os passageiros descerem e, em seguida, coquetéis motolov davam conta do incêndio.

Mesmo no meu bairro, um lugar tranquilo a quatro quilômetros do centro, os comerciantes baixaram as portas antes das 15h. Histeria ou não, ninguém pagou pra ver. E assim, alunos de escolas públicas e particulares -pelo menos 30 mil deles-, ficaram sem aula. Tive que buscar meu filho às pressas depois de receber o telefonema da escola. "A ordem é pra dispensar todo mundo", disse a secretária do estabelecimento.

Em São Paulo, amigos ficaram presos no trânsito. Outros foram dispensados da aula depois de enfrentarem mais de 300 quilômetros de estrada até a Cidade Universitária. E o cafezinho da galera pós-aula foi suspenso, arbitrariamente.

A origem dos ataques está mais enraizada que a exigência das 60 tevês de tela plana aos líderes do Primeiro Comando da Capital, o tal PCC. Coincidentemente ainda, o anúncio dos convocados para a Copa passou como assunto secundário ou terciário quando deveria ser manchete. Assim como as 960 demissões anunciadas pela General Motors de São José dos Campos aqui na minha região.

Hipocrisia é temer o movimento somente agora. Dizer que o caos está sob controle. Como qualquer instituição, os criminosos são solidários com seus companheiros. No Rio de Janeiro, os 'irmãos' do CV (Comando Vermelho) suspenderam a varrição dos presídios como forma de 'contribuição' aos 'irmãos' da facção criminosa paulista.

Discutir as conexões do PCC com o CV agora é bobagem. O crime organizado está aí, com estratégias de marketing pra Abílio Diniz nenhum botar defeito. Basta ver esse link , de uma série de reportagens que fiz sobre o crime organizado em 2002, pelo ValeParaibano:

http://jornal.valeparaibano.com.br/2002/07/31/jac/abre.html

À época, o delegado seccional assistente também não deu muita bola ao caso. Não fosse pelos esforços do diretor do Procon de Jacareí, José Rubens de Souza, e pelo empenho jornalístico nas investigações, cerca de 300 pessoas continuariam, possivelmente, importunadas pelos bandidos.

Foi preciso o jornal meter a boca e o Procon o dedo no assunto que estava sendo investigado paralelamente pela Polícia Federal do Rio de Janeiro. Um dos meus orgulhos profissionais, sem demagocia ou 'autoelevação'.

Na década de 90, quando o PCC surgiu no CRP de Taubaté as autoridades negligenciaram a organização -que distribuiu, à época, seu organograma. Bobagem, devem ter pensado.

Coincidência ou não, o corpo de 'soldados' do PCC são chamados de 'Bin Laden'. E guardadas as devidas proporções, tivemos nosso 11 de setembro no dia 15 de maio de 2006.

Imagem; Charge de Angeli, publicada ontem no site UOL

Naufrágio



Se minha vida fosse uma embarcação,
ela estaria assim, certamente.

É difícil não ganhar.

Desde janeiro de 2005 o meu barco
passa por um lento naufrágio.

Ora o vento sopra pro lado oposto.

E a embarcação volta a flutuar.

Hoje perdi uma esperança.

Em meio ao clima de caos, recebo
por telefone, uma notícia que só
fará manter a incerteza na minha
profissional.

Eu preciso voltar. Mas pra onde?

?

Imagem original em:
http://www.histarmar.com.ar/Antartida/Decepcion/Antiguas/Naufragio.jpg

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Ou talvez só me falte foco?



Imagem original em:
http://www.flyingfishsoft.com/reznor/art/foco.JPG

sábado, maio 13, 2006

Pós-modernismo



O que é a morte do sujeito?




Quem é você? Quem somos nós?




Qual a sua identidade, seu ID?



Se você ainda não sabe, pode
fazer uma lá no www.zebracards.com.


E dar uma passada no www.memefest.org.br/brasil
depois de visitar o 'subversivo' www.rtmark.com.

Se ainda assim não se achar, instale o sitemeeter
na sua página.

Pelo menos saberá da onde surgem 'os outros'.


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PS.: Esse é meu centéssimo 'post'.
E o primeiro com uma imagem
genuinamente criada ontem por
mim, fruto de uma idéia surgida na
Marginal Pinheiros, em SP.


Obrigada, Fá pela ajuda com
o Photoshop!
E ao André Mesquita, por me
abrir as portas do ativismo
(mesmo que eu fique às margens
dele)!

quinta-feira, maio 11, 2006

consolo



Os meus pensamentos brotam.
Mas nunca florescem.

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E hoje uma febre me abateu.
Como um tapa no rosto.
Transbordou em um desarranjo hormonal.

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E as respostas de e-mail que nunca chegam?
E as mensagens que não queremos ler?
E as descobertas em torno da sexualidade alheia,
abrindo as portas da admiração?

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Finalizando esse post totalmente sem sentido.

INTELLIGENCE IS SO, SO, SEXY.

this is for you.

quarta-feira, maio 03, 2006

As aventuras da pantufa verde



Capítulo 1
Esta é uma história de aventura como muitas outras com direito a piratas, bruxas, castelos, ilha deserta e até um menino ou menina como você. Também é uma história meio sem começo ou fim. Dessas que a vovó inventa pra gente dormir, mas acaba nos deixando acordados por mais tempo! É uma história sobre um par de pantufas que pode estar por aí. Em qualquer lugar. Até nos seus pés!

Feitas em feltro verde, as pantufas já nasceram remendadas por pedaços de tecido vermelho e amarelo. Não se sabe porquê, mas elas podiam se adaptar a qualquer tamanho de pés. Talvez tenham sido feitas pelo pai de um bebê que crescia sem parar, assim como fermento que faz dobrar de tamanho o bolo da mamãe. Ou, quem sabe, por um ogro costureiro?

O fato é que a aventura das pantufas começou há muito, muito tempo... Numa época em que fadas e duendes viviam soltos por aí e não precisavam se disfarçar de estátuas nos jardins.

A primeira aventura que se tem notícia ocorreu ainda quando os piratas navegavam pelos mares –com direito a tapa-olho e perna de pau. Um dia, um navio desses corsários atracou em uma ilha perdida no oceano. A ilhazinha era pequena e o espaço de terra mal dava pra abrigar dois coqueiros. Entre eles havia um baú dourado que brilhava como sol, mesmo na noite escura do oceano.

Curiosos, os piratas resolveram atracar para buscar o tal baú. Eles mandaram o que pensava ser o menos corajoso. O homem que era dono da maior barba já vista foi quem recebeu a tarefa de ir até a ilhota remando em um barquinho de madeira escurecida pela maresia e descascado como árvore antiga.

Ao chegar na ilha, o pirata –que na verdade era só o cozinheiro do navio— viu que a embarcação dos corsários estava afundando. Sem ter pra onde ir ele ficou lá na ilhota com o baú. Dentro da caixa havia uma carta amarelada de tão velha e borrada pelas gotas que caíam dos coqueiros e iam direto para dentro do tal baú. Dentro dele estava o par de pantufas verdes.

Sem sapatos, as pantufas serviram de consolo para os pés do pirata cozinheiro e naufrago. Ele não tinha muito o que fazer então passava os dias, meses e anos conversando com as pantufas mesmo sem saber direito o que eram. Antes de encontrá-las, ele nunca havia visto coisa parecida.

Muito tempo depois, o cozinheiro ainda mais barbudo e maluco avistou um navio. Ao se aproximar, a tripulação concordou em tirá-lo de lá desde que, em troca, o homem desse seu baú e tudo que havia dentro dele.

E as pantufas mudaram de mãos.

No navio, o capitão ficou decepcionado ao descobrir que as pantufas eram o único ‘tesouro’ daquele baú dourado e emprestável. Por fim, acabaram se esquecendo delas em algum lugar da gigantesca embarcação de pesca, lotada de peixes por todos os cantos –até mesmo debaixo dos beliches onde dormiam os marinheiros.

Um dia, um dos peixes que se mantinha ainda vivo mesmo horas depois de ser pescado, sabe se lá por qual motivo, acabou engolindo aquele par de pantufas verdes. Que acabaram parando em um mercado na Índia, escondidas dentro do peixão que acabou não resistindo à viagem –para alívio dos marinheiros que já estavam até com medo do bichinho.

(continua)

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Minha primeira incursão pela 'literatura' infantil desde os meus 8 anos, quando escrevi o livro "A Cachorra Teka".
Pretendo dar continuidade, mas postei esse texto aqui em homenagem ao meu filho, Henrique, que está internado hoje com pneumonia e é, além de meu melhor amigo, minha fonte de inspiração e revisor dos meus textos infantis.


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A imagem aí de cima é da maravilhosa ilustradora Bárbara W. Steinberg. Obviamente, não foi feita para o meu blog. Faz parte do portfólio da artista, que pode ser acessado pelo site http://www.babiws.com.br. Achei tão boa que resolvi fazer um merchandising. O contato dela (que nem faz noção da minha propaganda aqui) é pelo telefone 11 8124-7217.

A imagem de cima faz parte do livro "Cadê meu avô?", da Editora Biruta 2004
http://www.babiws.com.br/images/ilustracao14_r4_c14.jpg